2007-01-19

Viver sempre também cansa!

"Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo..."

Viver sempre também cansa, de José Gomes Ferreira

4 Comments:

At 5:20 da tarde, Blogger rascunhos said...

Que poema lindo do J.G.Ferreira.Não conhecia mas li com muito agrado.

bj

 
At 5:43 da tarde, Blogger Aventurasnobrazil said...

Rascunhos: sim,. também gostei bastante. Bom fim-de-semana!

 
At 12:53 da manhã, Anonymous Anónimo said...

A morte sorriu-lhe do outro lado da rua e disse:"Vem amor". Ele olhou-a nos olhos com firmeza e respondeu q não era tempo para amar. Voltou-lhe as costas e com um sorriso rasgado nos lábios envolveu-se nos braços da vida que o esperava no banco de jardim.

 
At 8:50 da manhã, Blogger Aventurasnobrazil said...

R.S.- "No meio das trevas, sorrio à vida, como se conhecesse a fórmula mágica que transforma o mal e a tristeza em claridade e em felicidade. Então, procuro uma razão para esta alegria, não a acho e não posso deixar de rir de mim mesma. Creio que a própria vida é o único segredo" (Rosa Luxemburgo, "Cartas da Prisão"

 

Enviar um comentário

<< Home